segunda-feira, 27 de julho de 2009

A LENDA DE GILGAMESH

A Lenda de Gilgamesh

Revelar-te-ei, Gilgamesh,

Um triste mistério dos Deuses;

Como se reuniram um dia.

Para decidir submergir a terra de Shurupak.

Eya dos olhos claros, sem nada dizer a Anu, seu pai,

Nem ao Senhor, o grande Enlil.

Nem àquele que esparge a felicidade, Nemuru,

Nem mesmo ao príncipe do mundo subterrâneo, Enua.

Chamou para perto de si seu filho Ubaretut.

E disse-lhe: “Filho, constrói um barco com tuas mãos,

Toma contigo teus próximos,

E os quadrúpedes e as aves de tua escolha,

Pois os Deuses decidiram irrevogavelmente

Submergir a terra de Shurupak”.

Todos da cidade de Uruk, na antiga Mesopotâmia, do gregomesopotamía,as ou mesopotámios,a,on”; situado entre dois rios; país entre rios; a Mesopotâmia; conforme procedente do latim: Mesopotamìa,ae; Mesopotâmia, país situado entre o Eufrates e o Tigre; dois rios caudalosos que delimitavam a terra onde se encontrava o Paraíso Terrestre, e onde existia um jovem rei, de nome Gilgamesh, o povo do lugar admirava-o, mas, também o temiam, pois, em algumas ocasiões governava com soberba e arrogância, pois Gilgamesh, o rei de formas perfeitas, possuía três partes de deus e uma de humano - ditava por vezes leis e sentenças injustas, distantes da misericórdia e da compaixão exigidas a um governante para com seus súditos.

Tamanha foi a crueldade de Gilgamesh que os deuses escutaram as súplicas dos habitantes de Uruk e a suas sagradas moradas se retiraram para, em silêncio meditar, e os deuses refletiram e tramaram dia e noite... Até que, por fim, decidiram que Aruru, a deusa-mãe que tinha criado Gilgamesh, encontraria também o modo de aliviar os humanos.

Desse modo, Aruru trabalhou e, tal qual sábio e aplicado escultor, preparou a lama e modelou uma figura humana, sem desperdiçar momento algum, Aruru, a criativa, soprou argila e instantaneamente a figura humana ganhou vida e movimento, satisfeita com sua obra, retirou-se para descansar; mas antes impôs suas mãos divinas sobre a cabeça da criatura, daquele novo homem que tinha a sua frente e com voz firme, de trovão, lhe falou: "Te chamarás Enkidu... Serás um grande guerreiro e um herói de valor... e enfrentarás o jovem rei Gilgamesh para obrigá-lo a tratar o seu povo com respeito".

O tempo passa e certo dia um caçador junto às águas do lago, na clareira de um bosque, espreitando as gazelas que ali acudiam a beber, avistou Enkidu. Num primeiro instante, ao ver sua vestimenta o tomou por um pastor. Mas com o tempo, o caçador constatou que aquele forasteiro não se tratava de um simples pastor e que ele protegia os animais, tirava as armadilhas e impedia de caçá-los. Cada vez que o caçador se aproximava do lago encontrava suas margens ocupadas pelo rebanho do estranho pastor, de maneira que não podia abater qualquer presa.

Retornando a sua casa de mãos vazias seu pai lhe perguntou o porquê não tinha conseguido nenhuma caça, e ele lhe respondeu; que tinha sido impedido por um homem de aspecto robusto que pastoreava seus rebanhos no monte e que não se afastava do lago.

O pai do caçador pediu a seu filho que fosse até o palácio real e rogasse ajuda a Gilgamesh, para que este ficasse sabendo da presença de um forasteiro valente nas suas terras. O jovem caçador partiu para a cidade a única notícia que se escutou em toda a Uruk foi a presença de um forasteiro valente nas terras de Gilgamesh.

Gilgamesh trama um plano para debilitar e minar as forças de Enkidu, envia a ele a mais bela cortesã de seu reino e, depois de seis dias e sete noites de prazer junto a jovem cortesã, Enkidu abandonou os bosques e, guiado pela sua formosa companheira, transpassou a muralha da cidade de Uruk e desafiou Gilgamesh.

Os dois heróis lutaram na praça, na frente do povo, enrolaram-se pelo chão, destruindo na luta as grandes portas da cidade. As lascas saltavam pelos ares até que, após uma longa peleja, se fizeram amigos todo o povo celebrou o abraço de Enkidu e Gilgamesh... E houve comemorações e festas na cidade de Uruk.

Os amigos deixaram para trás os festejos e o regozijo do povo e saíram para cumprir uma perigosa missão, se dirigiram para o Bosque dos Cedros para matar o temível monstro Humbaba, uma espantosa criatura que cuspia fogo pela boca e tinha aterrorizado todos os habitantes da comarca.

Gilgamesh e Enkidu entraram sem temor no interior do bosque e chegaram até a obscura gruta do dragão. Então, lutaram com bravura e cortaram a cabeça da fera... E foram recepcionados pelos aldeões que rodeavam o bosque...

Muitas aventuras depois e os nossos heróis sentem saudades de suas terras e seus bosques, bem como, da cidade de Uruk, e decidem regressar para os seus. Durante a ausência deles o povo ouviu com entusiasmo sobre suas façanhas no retorno são recebidos como heróis.

Isthar, deusa do amor, deseja que Gilgamesh seja seu amante e que se case com ela, mas o valioso e bonito guerreiro a recusa. A despeitada deusa pede ajuda a seu pai, o deus Anu, dono e senhor de todos os mundos e lhe instiga para que envie o Touro do Céu contra a cidade de Uruk. Enkidu e Gilgamesh lutam com o Touro do Céu e o matam. Mas, os deuses se vingam e fazem com que Enkidu contraia uma grave enfermidade e morra. Gilgamesh verte lágrimas de dor diante do cadáver do seu amigo Enkidu e com grande pesar e desconsolo pela perda de seu querido companheiro abandona Uruk e empreende um longo caminho.

Depois de andar muito, léguas e léguas, Gilgamesh chega ao pé de altas montanhas, os cumes gêmeos voltam-se para o primeiro e para o último dos extremos do mundo: o nascente e o poente. Gilgamesh sobe até os altos picos e, uma vez lá em cima, olha o imenso céu e se pergunta pelo enigma da morte... Mas ninguém responde. Então, decide descer ao mundo das sombras e roga aos guardiões, às gigantescas e horríveis criaturas, metade escorpião metade homem, que abram as portas da montanha e lhe deixem passar. O valente Gilgamesh caminha sem descanso pelo interior dos infernos na mais completa obscuridade até chegar à morada dos deuses, ao jardim de luz. Aqui também não encontra a resposta ao enigma da morte, mas os deuses lhe anunciam que resolverá o mistério se cruzar até a outra margem do extenso oceano.

O barqueiro dos deuses conduz Gilgamesh pelos mares e oceanos do mundo até chegar às pestilentas águas da morte e após atravessá-las, o herói chega num lugar onde se encontra o único homem sobrevivente do dilúvio, quem lhe instrui a respeito da vida e da morte: "Não deveis temer a morte, pois, como o sonho, está dentro de nós e a todos alcança; mas, podeis conseguir a imortalidade ou a eterna juventude, se arrancares a planta espinhosa e florida, semelhante a um roseiral, que cresce entre o lodo das águas profundas que banham o mundo das sombras".

Assim fez Gilgamesh e de regresso à Uruk, levando consigo a preciosa planta florida da eterna juventude parou no caminho para beber água num manancial e refrescar todo seu corpo. Mas, de pronto, uma serpente cheirou o perfume que exalava da planta e a tragou; depois se arrastou até as cavidades das rochas e se enfiou num fundo e obscuro buraco que desembocava no reino das trevas.

Quando Gilgamesh saiu das águas e viu as sinuosas pegadas do réptil na areia compreendeu, no instante, que a serpente maligna tinha lhe roubado a planta florida da eterna juventude...

... E Gilgamesh chorou...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Fundo do Poço

Profundo é o poço do passado. Não se deveria dizer que é insondável?... Nossa sonda tocou o fundo do poço dos tempos sem que seja atingida a meta final e inicial que propúnhamos. A história do homem é mais antiga que o mundo material, que é obra de sua vontade, mais antiga do que a vida que depende de sua vontade.

(THOMAS MANN)

Era domingo, o dia do senhor, lembro-me jamais esquecerei, o padre pregava: — O evangelho de hoje nos diz: “Israel amava José mais do que todos os outros filhos, porque ele era o filho de sua velhice; e mandara-lhe fazer uma túnica de várias cores. Seus irmãos, vendo que seu pai o preferia a eles, conceberam ódio contra ele e não podiam mais tratá-lo com bons modos. Ora, José teve um sonho, e o contou aos seus irmãos, que o detestaram ainda mais”.

José e seus irmãos, tinha sido ele lançado apenas pela inveja, corrosiva, sim pelo próprio sangue havia sido traído, menosprezado, como Caim fizera a Abel, seus irmãos repetiam o estúpido erro, José, caçula, predileto, adivinho, revelador, oráculo, interpretador de sonhos, não entendia, nem tinha como entender ali estava...

— Você chegou ao fundo do poço! – dura afirmação, densa, pesada, não conseguia digeri-la, difícil, como ser educado por uma pedra, assim foi quando nasci e até o fim da existência seria... A educação era pela pedra, pelo peso, pela rudeza, não havia palavras de amor, muito apanhara. O carinho não encontrava espaço em meu lar, éramos bichos, estávamos confinados, e a todo custo tentávamos manter nosso território nessa jaula inadequada... Sofria por algo que não entendia, não controlava, em sua ingenuidade revelara e sofria por isso não entendiam como podia ele reinar, não desejava o poder, sabia que o poder era como a inveja, corrompia, destruía, amaldiçoava...

— Então José tem um sonho e revela ao pai e aos seus irmãos “Ouvi, disse-lhes ele, o sonho que tive: estávamos ligando feixes no campo, e eis que o meu feixe se levantou e se pôs de pé, enquanto os vossos o cercavam e se prostravam diante dele.” Seus irmãos disseram-lhe: “Quererias, porventura, reinar sobre nós e tornar-te nosso senhor?” E odiaram-no ainda mais por causa de seus sonhos e de suas palavras. José teve ainda outro sonho, que contou aos seus irmãos. “Tive, disse ele, ainda um sonho: o sol, a lua e onze estrelas prostravam-se diante de mim.” Ele contou isso ao seu pai e aos seus irmãos, mas foi repreendido por seu pai: “Que significa, disse-lhe ele, este sonho que tiveste? Viremos, porventura, eu, tua mãe e teus irmãos, a nos prostrar por terra diante de ti?”

— Você chegou ao fundo do poço! – assertiva, direta, assim era a afirmação, fui humilhado, apedrejado, por algo que não tinha forças para superar, quando criança depois de errar, tudo que desejava era confessar, chegar a minha mãe, revelar o que tinha feito, sonhava: ela abraçar-me-ia e diria: “Calma, filho, tudo irá ficar bem”, na realidade eu era acossado e minha mãe brandindo um fio elétrico como se um chicote fosse, estalava-o em minhas costas, dor, humilhação, provocação, jamais irei esquecer...

— Lembrem-se Caim também sofreu pela inveja e assassinou Abel, foi assim que a terra bebeu seu primeiro gole de sangue humano, continuando: Antes que José se aproximasse, combinaram entre si como o haveriam de matar; e disseram: “Eis o sonhador que chega. Vamos, matemo-lo e atiremo-lo numa cisterna; diremos depois que uma fera o devorou; e então veremos de que lhe aproveitaram os seus sonhos.”

— Você chegou ao fundo do poço! – nunca tinha conseguido revelar minha maldição a alguém e quando revelei achando que seria remido, teria enfim a materialização dos meus devaneios: “Calma, filho, tudo irá ficar bem”. Eis que descubro que não havia perdão ninguém entenderia, encontrava-me encurralado, a educação agora era como uma “faca sem cabo” cujo corte é certo...

— A inveja não conhece limites e amaldiçoa o próprio sangue daquele que a sente os irmãos arquitetaram: Quando José se aproximou de seus irmãos, eles o despojaram de sua túnica, daquela bela túnica de várias cores que trazia, e jogaram-no numa cisterna velha, que não tinha água. E, sentando-se para comer, eis que, levantando os olhos, viram surgir no horizonte uma caravana de ismaelitas vinda de Galaad. Seus camelos estavam carregados de resina, de bálsamo e de ládano, que transportavam para o Egito. Então Judá disse aos seus irmãos: “Que nos aproveita matar nosso irmão e ocultar o seu sangue? Vinde e vendamo-lo aos ismaelitas. Não levantemos nossas mãos contra ele, pois, afinal, é nosso irmão, nossa carne.” Seus irmãos concordaram.

Você chegou ao fundo do poço! – a faca mais fundo do que o fundo do poço, adentrava minha carne, moia meus ossos, não havia espaço para compaixão na minha vida, somente dor, medo, humilhação, os que se aproximavam, torturavam-me, o fim, o fundo do poço...

— A dor nunca será curada para um pai que conhece a morte do filho, pois a ordem natural é a morte do pai e depois do filho, mas a mentira, inveja, corrupção estas não tem limites na natureza humana: Tomaram então a túnica de José, mataram um cabrito e a mergulharam no seu sangue. E mandaram-na levar ao seu pai com esta mensagem: “Eis o que encontramos: vê se não é, porventura, a túnica do teu filho.” Jacó reconheceu-a e exclamou: “É a túnica de meu filho! Uma fera o devorou! José foi estraçalhado!” E, rasgando as vestes, cobriu-se de um saco, e chorou o seu filho por muito tempo. Todos os seus filhos e filhas vieram consolá-lo, mas ele não aceitou nenhuma condolência: “É chorando, disse ele, que descerei para junto de meu filho na habitação dos mortos.” Foi assim que o seu pai o chorou.

Você chegou ao fundo do poço! – a faísca, centelha, meu corpo percorre, não, não, não... O adormecido desperta... Você deixou de ser homem! – não por favor, me desculpe, não errarei novamente, não... A dor, punição, penitência... Ai, ai, ai!!!!..... Dói mãe pára não me bate!!!!!!!! – o som no ar ferindo... Machucando... Por quê? Por quê? A sinfonia maldita, eu e o vento, cedendo nossos corpos para tornarem-se os instrumentistas, o regente minha mãe...

— Por isso não deixem levar-se pela inveja, meus filhos, não corrompam o coração... – No poço que eu e José tinha sido lançado havia: musgo para torná-lo, na escalada, intransponível. Era habitado por: cobras, escorpiões, lacraias, mosquitos dardejantes de veneno e peçonha, primeiro saiu José, mas não sem antes revelar-me como dali escapar e ele vendido foi, e muitas aventuras correu, enquanto eu...

Você chegou ao fundo do poço! – a revelação vinha com a punição, penitência, sim, outrora ali tinha sido um poço, onde homens buscavam o essencial, sem o qual nenhum ser vivo, mantém-se, contudo deixado tinha de ser útil para tornar-se um problema, desagradável, sim como Abel, como José, como eu... Justiça não havia e por isso, José revelava-me que se ajudasse o poço ajudaria a mim, então cavei, cavei, procurei o fim e encontrei o início, a água jorrou feito fonte, nascente, um novo Jordão, batizava o nascimento, ave fênix feito, assim agia, deixei de ser homem, virei mito, tornei-me lenda,

O Homem da Perna Torta...