quinta-feira, 21 de abril de 2011

OS RATOS

[...] — Não é vergonha ter as suas dívidas. (Naziazeno meio tem um sobressalto!...) Eu tenho muitas e até me orgulho com isso: é um sinal de crédito.
[...] O sol se aplaca sobre ele, como se tivesse peso e consistência.

Foi num dia azul, uma tarde modorrenta, que ouvi essa estória... Quem contou? Um homem de andar vacilante, palavra firme... Seu nome? Pernatorta... Seu neto gostou? O senhor quer ouvi-lá? Para mim é uma honra...
Finalmente, conseguira fugir... Como escapei? Não sei, por onde andei? Esqueci... Depois de muito andar, finalmente, a paz, beira de estrada, respiração inconstante, o pulsar do coração frenético...
Que faz por aqui não sabe que somos alvos fáceis em campo aberto, vamos procurar um buraco para nos enfiar. – assim disse meu admirado companheiro.
Não, não vou por aí, tenho medo de locais apertados... Respondi.
Como pode? Não é de nossa natureza, vivemos cavando e nos entocando... Os tempos estão mudando, os antigos previram... O mundo grita não mais sussurra como antes, medo de lugares fechados, deve ser um sinal, os que retornam sofrem sempre, ainda ontem ouvi dizer de um “sombrio” que tem medo de altura, diz que a terra tremeu em um lugar, a água invadiu outro sei que o tempo é curto e o medo é grande...
Esquadrinhava-me, queria entender-me? Será que solidarizava com minha situação ou era a mera sensação de sentir-se melhor por não ser ainda mais inferior, ser menos assustado, ter menos manias de perseguição, paranóias, um atormentado...
Referira-se a um “sombrio” com medo de altura, a terra tremendo, a água invadindo... As profecias antigas se cumpriam, meu medo do abrigo era também um sinal? Será que se encaixava? Estava fadado a cumprir um mero capricho, um desígnio, simplesmente, estava determinado...
Onde ouviu sobre esse “sombrio” meu caro? – perguntei com certa ansiedade. Olhou-me assustado: - amigo sei que não é fácil ser o que somos... Mas basta, não lembra do que aconteceu com aqueles que se entregaram uma vez, nunca mais resistiram e assim sempre o fazem...
Estranho não me recordava de tal evento, o que o amigo queria dizer? Olhou-me mais demoradamente, seus olhos de admirados, lentamente, avançaram para a perplexidade...
Como foi assim é, e sempre será... Não posso negar-lhe nossa origem, uma vez que conhecerdes a estória só vai precisar contá-la para confirmar quem é, pois somos todos iguais, iguais a você... – meu companheiro faz uma pausa e inicia a narrativa.
Há muito, muito, tempo atrás o antigo disse ao mais novo...
Veja! Ao seu redor tens as galerias, nosso poder, destino e tradição. Acima temos o espaço vazio, perigoso e quem lá vai jamais retorna. Bem assim pensam todos os de nosso clã, mas conheci alguém que foi e retornou. Muito sofreu, chegou com um andar estranho, o corpo cansado, um falar perturbado e ao lado do seu leito me deixaram, contava com a mesma idade que a sua.
Disse-me ele entre delírios e lampejos de sanidade, que o mundo lá fora tinha um grande preço a ser pago para quem nele se aventurasse esse preço era a própria vida, mas estávamos fadados às profecias, aos textos antigos, aquilo que se guardava e poucos conheciam...
Alguns nasciam descontentes com nosso lar eterno, e procuravam o grande espaço e foi assim que aconteceu com ele e com outros que conheceu pelo caminho e trilhando lugares perdidos soube da saudação e essa saudação é o que nos torna igual, porque somos iguais, iguais a você...
Naquele breve momento, finalmente, senti-me aceito, meu companheiro olhou-me demoradamente e apenas sorriu, minha jornada se iniciara...