quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Professor Augusto Pombal



Na investigação científica, o pensamento não caminha ao acaso, mas adota normas convenientes a fim de poder atingir os seus objetivos. Usa métodos e processos adequados. Como método, devemos entender, de um modo geral, uma série de operações do espírito para que este atinja a verdade. [...] de que resultam dois métodos essenciais: o método indutivo e o método dedutivo.
O método indutivo observa os fatos particulares e partindo deles, chega aos princípios gerais e às leis que regulam. O método dedutivo é o método próprio das ciências abstratas – a partir das verdades gerais, chega por deduções lógicas a outras verdades, tão gerais como as primeiras.
...Livre-docente pela Universidade de Paris (Université de Paris), Sorbonne, conhecida por ser uma das mais antigas instituições de ensino superior de nosso ancestral continente, tenho a honra de apresentar aos novos alunos do curso de cartografia, o Doutor Augusto, nosso ilustríssimo colega que irá abrilhantar-nos com sua forma calorosa e polêmica de questionar o conhecimento dado por verdadeiro, contempla-nos com a Aula Magna, em nossa casa, a universidade de Coimbra, um dos berços intelectuais do Ocidente.
Ergue-se a figura simpática do professor Augusto um senhor de meia idade com o rosto carregado e um ar de assustado, vestido impecavelmente com seu fato completo, ele agradece...
Olho minhas fichas de anotações e inicio de forma cadenciada minha exposição: — Na Idade Moderna, os mapas-múndi já apresentam a forma geográfica da Terra, semelhante a que conhecemos na Idade Contemporânea, diferente do modelo ptolomaico da Antiguidade, dos Orbis Terrarum Tripartite ou mapas “T/O” da Idade Média, e das cartas-portulanos do Mar Mediterrâneo. Mas ainda representam as mirabilia pagãs oriundas da literatura de viagens, o miraculo cristão oriundo da Bíblia e das hagiografias medievais, e os monstros (monstra) oriundos dos physiologus antigos, dos bestiários medievais e dos relatos de naufrágio. Esse imaginário vai ser “(des)locado” de seu habitat original – os Extremos, Índia, China e Japão no Oriente, o Oriente árabe Próximo, e o Norte mouro da África – e vai influenciar a representação do negro no Sul da África e do índio na América (a Quarta Orbis Pars).
Pelo que vejo não consegui despertar o interesse, isso é ruim, pois na arte do discurso o início é fundamental e pelo que vejo chafurdei no meu prólogo: — O objectivo desta pequena apresentação é a análise do fenômeno da globalização do mundo no século XIV, XV e XVI, pela civilização portuguesa, a “ocidentalização” da América e o conhecimento preexistente das terras “não-descobertas” através de documentos recém-descobertos empreenderemos uma marcha rumo a esse vasto campo pouco explorado, para responder questões de grande magnitude e permanência tais como:
— As terras americanas já eram conhecidas?
— É possível afirmar que criou-se um mito acerca da figura apostólica de São Tomé para legitimar a expansão marina do império ocidental, financiado pela Igreja Católica e executado por Espanha e sobretudo Portugal. Além do misticismo envolvido, criado previamente por exploradores “náufragos” (voluntários, ou não) europeus em costas americanas, em que os índios chamaram de deus-branco-menor e que os ensinou técnicas agrícolas e sociais, além de profetizar a vinda de outros.
— Porque coube a Américo Vespúcio, dar seu nome as terras descobertas por Cristóvão Colombo? – tão bombásticas revelações não causaram nenhuma interjeição de surpresa talvez alguns bocejos e suspiros de protesto.
Comecemos pelo histórico mapa Universalis Cosmographia Secundum Ptholomei Traditionem e Et Americi Vespucci Aliorum Lustrationes, datado de 1507 por Martin Waldsemüller. Este mapa é vulgarmente designado por Mapa Mundo, o primeiro a apresentar, o nome América, e as “novas terras”; também é a primeira vez que há uma menção ao Oceano Pacífico e a ligação entre os oceanos.
— Quem foi Martin Waldseemüller? – Martin Waldseemüller provavelmente nasceu em Radolfszell junto ao lago Constância, na Alemanha, ano em que nasceu é desconhecido. No entanto, existem registros escritos que em 1522 já seria "defunctus".
Martin Waldseemüller estudou na Universidade de Friburgo e exerceu funções de sacerdote na diocese de Constância, mas é em Saint Die (Vosges) que como cónego inicia às suas obras cartográficas. É também em St. Die que Waldseemüller lecciona astronomia e geografia. Alguns dos trabalhos cartográficos realizados por Waldseemüller são o:
  • Universalis Cosmographia Secundum Ptholomei raditionem e Et Americi Vespucci Aliorum Lustrationes (mapa mundo, sem data) a,
  • Cosmographia Introductio (1507) a,
  • Carta Itineraria Europae (1516) e a,
  • Carta Marina (1516)
Em 1901 houve a redescoberta do mapa pelo historiador jesuíta Joseph Fisher, o mapa estava na biblioteca de um príncipe na Alemanha. Para apresentar o conteúdo do mapa e do globo, Waldseemüller escreveu o livro Cosmographia Introductio, e elaborou um globo, o mapa Universalis Cosmographia Secundum Ptholomei Traditionem e Et Americi Vespucci Aliorum Lustrationes (Mapa Mundo de acordo com a tradição de Ptolomeu e as viagens de Amerigo Vespucci), realizado em 12 blocos de madeira (com a projecção do mundo), situado em Estrasburgo, passa a impressão das cópias a ser feita em St. Die.
Pelos registros sabemos que um total de mil cópias foi produzido, sobrevivendo atualmente apenas um, considerado pelos estadunidenses como "America´s birth certificate", (Certificado do Nascimento da America), tendo sido comprado pela Library of Congress em Washington, D. C.
No livro Cosmographia Introductio, o autor alude ao navegador italiano Américo Vespúcio o descobrimento da "quarta parte" do mundo (quarta orbis pars).
— Quem foi Américo Vespúcio? – para quê ou para quem eu formulava aquela questão, percebia-se o desconforto e desinteresse geral que aquela minha explanação surtia, será que eu tinha assumido a forma do deus grego Morpheus, ou quem sabe através da minha voz o mundo poderia finalmente ter a cura para a insônia.
Minha palestra transformara-se em um solilóquio sentia-me como o símbolo do Uroboro em que uma serpente devora seu próprio corpo através da cauda, assim deveria parecer aquela minha exposição, mas tinha que continuar iria martelar até o último argumento: — Amerigo Vespucci (português Américo Vespúcio) nasce em Florença em 1454, falece em Sevilha em 1512. Vespúcio era filho de Nastagio, um notário, que nada mais é que o indivíduo responsável pela elaboração de documentos públicos; nosso atual tabelião.
Américo trabalhou no Banco Lorenzo and Giovanni di Pierfrancesco de'Medici, antes de Sevilha, onde o Banco detinha interesses representados por Giannotto Berardi, interesses que logicamente estavam ligados com a navegação, aparentemente conheceu Colombo do retorno de sua primeira viagem.
Consta uma primeira viagem pela coroa Espanhola comandada por Alonso Ojeda, entre Maio de 1499 e Junho de 1500, eles desembarcam perto da actual costa do Guiana e Américo deixa a companhia de Ojeda, começando a navegar para o Sul, descobrindo o rio Amazonas e chegando à provável latitude seis graus (Cabo Agostinho), ao retornar passa por Trindade e a foz do rio Orenoco, chegando ao Haiti.
Vespúcio após esta primeira viagem ainda estava convencido de que aportara no oriente da Ásia, e tenta assim convencer o Rei de Espanha a promover uma nova viagem, projeto este que acaba fracassando e assim Vespúcio vem para Portugal.
Nem a menção ao solo pátrio parecia causar interesse, também para a nova geração, o que interessava aquela história, aquele pseudo-passado glorioso que deixou-nos um presente marginal não apenas geográfico, mas socioeconômico e cultural, não parecia haver orgulho em ter ou ser português, um povo retratado como bruto, bronco e estúpido, esqueciam que tinha sido o Condado Portucalense no século XII o primeiro país da península a livrar-se do domínio mouro, um passado longínquo, rançoso, rancoroso e recalcado...
Em Portugal, Vespúcio parte de novo para a América. A 13 de Maio de 1501 sai daqui de Lisboa, em direcção a Cabo Verde, e parte para o Brasil começando a sua exploração na latitude seis graus até a foz do Rio da Prata, regressando a Lisboa a 22 de Julho de 1502. Nesta viagem Vespúcio fica convencido de que a costa navegada não é a asiática, mas sim um novo continente, pois este novo continente passaria a ser chamado pelo seu nome!
No novo mapa a designação do Oceano Atlântico é a de Occeanus Ocidentalis, apesar que o autor designa este mesmo Oceano junto à costa do Magrebe como sendo Athlanticum.
Quase não há conhecimento e representação da América do Norte somente a península da Flórida é representada como: "Terra Ulteri' Incognita", não existindo ligação da mesma com a América do Norte sendo a mesma representada como uma ilha, tal qual a conhecemos no mapa Cantino, afastada do continente, evidenciado o segredo dos portugueses em relação ao conhecimento da continente americano.
É de conhecimento geral que o português Fernão de Magalhães foi o primeiro a circunavegar o mundo no ano de 1519-1522, porém nesta época o Oceano Pacífico já era conhecido, podendo o mesmo ter sido descoberto (oficialmente) por Fernando Balboa em 1513, porém é o nome de Magalhães e não Balboa que denomina o Estreito onde o Atlântico encontra com o Pacífico. Uma questão se levanta como é que no mapa datado de 1507 por Waldseemüller conseguimos ter a Costa Ocidental da América do Sul se o Oceano Pacífico teria sido descoberto somente em 1513?
Também não deixa de ser curioso o facto de neste mesmo mapa não ser mencionado nenhuma passagem entre Atlântico Sul e o Pacífico. O nome dado ao Oceano Pacífico é a de Occeanus Orientalis, e menciona o Oceano Atlântico como Occeanus Ocidentalis, demonstrando que ambos eram interligados e conhecidos, além disso, o mapa revelava as montanhas andinas ao longo de todo o lado ocidental da América do Sul.
Por isso, senhores o mapa Cantino não desafia as regras do conhecimento aceite pelos historiadores e nem é obra de extraterrestres ou qualquer outro fundo místico, mas representa o conhecimento do continente americano pelo europeu ser bem posterior ao indicado como sendo no século XVI, além de apontar para a preponderância do domínio desse conhecimento por parte de Portugal, pois as informações dão relevo às futuras colônias portuguesas, bem como, a já explorada rota africana...
Fato este que não deixa de apontar o conhecimento e o ocultamento de tão grande segredo, o que não seria conseguido só com diplomacia, por isso o envio de reformadores religiosos católicos para o reino de Portugal, na procura de justificar os seus bens no continente Americano. Tudo isso evidencia claramente, o conhecimento do rei D. João II, da existência de terras a Oeste, a que mais tarde se vem juntar evidências de ocupação Portuguesa ainda hoje comprováveis.
"... primeiro um grande monte, muito alto e redondo, que, a pouco e pouco, se converte em terra chã junto da Costa. O capitão deu-lhe o nome: Monte Pascoal e Terra da Vera Cruz".
O trecho citado é um recorte da narrativa oficial da descoberta do Brasil descrita na carta de Pero Vaz de Caminha, no entanto, ao longo dos anos, indícios revelam que eventualmente a Terra da Vera Cruz já seria conhecida antes da chegada de Álvares Cabral.
Por exemplo, o mapa do Visconde Maiolo de 1504, designa o Nordeste Brasileiro como as terras de Gonçalo Coelho, tal como nos dias atuais, o conhecimento era essencial à vantagem competitiva das nações, sendo o caso da cartografia portuguesa, que durante o século XV e parte do século XVI, foi a mais rica fonte deste saber.
A cartografia (o seu conhecimento) era concentrada numa carta mestra designada por "padrão", este padrão era actualizado com as várias informações que os marinheiros iriam trazer após as sua viagens mundo afora. Não bastava actualizar as cartas, mas também delas retirar ilações e disseminar o conhecimento por outros navegadores, que em nome de el Rey de Portugal, navegaram por esses mares fora.
Pauso e finalizo neste momento meus colegas são os primeiros a aplaudirem, talvez estivessem com mais pressa de ouvir o término do que os alunos, mas quando escuto o entusiasmo dos alunos, vejo que eles estavam muito mais ansiosos, aquela ovação não era pelo arrebatamento causado por minhas palavras, e sim o júbilo da interrupção do desagradável efeito que o tinha causado meu discurso, sim aquela vibração toda era para despertarem da letargia daquela minha intensa e monótona preleção, vinte e oito anos de magistério, e nada mudara e nem iria mudar, porque como dizia um antigo professor meu de Clássicos: — Senhores, nada muda, e quando muda, é para pior! – realmente aquela sentença era a mais verdadeira que já tinha ouvido a levaria para além-túmulo (caso houvesse o além-túmulo).
Um jovem vestido como um integrante da Companhia de Jesus do século XVI, aproxima-se, não acredito os veteranos estavam ficando mais criativos e ousados cada ano que passava, realmente não podia negar, aquele calouro estava muito bem caracterizado, se eu não fizesse parte do trote com certeza estaria gargalhando daquela hilária situação. Ele pára e fica aguardando que acabe minha arrumação de minhas fichas, fecho minha pasta, fixo-o: — Sinto desapontar nossos amigos veteranos, mas não farei parte da diversão, estou muito cansado e tenho ainda muito trabalho para realizar, contudo parabenizo-os pelo excelente trabalho de produção que executaram.
— Doutor Augusto Pombal, é um enorme prazer conhecê-lo meu nome é Hafiz Miguel Passos, perdoe-me meu sotaque é que sou iraniano e o senhor como conhecedor profundo dos troncos lingüísticos sabe que nossa produção vocal é bem diversa da realizada pelos portugueses, apesar das inúmeras relações que nossas nações já teceram no passado.
Fascinante, os veteranos tinham ido além da minha imaginação, excelente, fico embasbacado quando um trabalho é bem elaborado e sem sombra de dúvida, estava diante de um maravilhoso enredo, algo que não encontraria nem nos mais intrincados mistérios que a sétima arte já tinha criado.
— Filho estou surpreendido seus amigos são surpreendentes, não me admira que encontram tempo e forças para realizar tão grande e perfeita empreitada e quantas reclamações para entregarem-me pífios trabalhos, mas é e sempre será assim, para a diversão e lamentação todas as forças são empenhadas, enquanto para a boa realização do trabalho não consegue-se o mesmo esforço.
— Desculpe-me doutor creio que há um engano não estou aqui para rir do senhor, mas para propor-lhe uma experiência, sinta e veja pelo senhor mesmo. – ele segura na mão um tubo daqueles utilizados para guarda mapas, abre-o e retira de dentro um antigo pergaminho e me entrega, percebo que não podia ser um simples trote tudo aquilo, o pergaminho não parece ser falso, o pego e tento ler, mas é necessário um equipamento adequado para manipulá-lo, sugiro então:
— Meu caro Hafiz, é este seu nome não é mesmo. – ele concorda com um gesto. — Vamos até meu escritório e o senhor explica-me melhor o teor dessa sua proposta. – ele novamente concorda e partimos em direção ao meu escritório.

domingo, 13 de setembro de 2009

PREFÁCIO

Desperto... Ao redor curiosos ruídos, bem diferentes do que outrora conheci. Caro leitor, muito obrigado, pela oportunidade, liberta-me da minha prisão, posso finalmente falar, sentir o ar e a sua curiosidade; invoco as artes, musas do conhecimento, equalizam nosso mutualismo, saudemos então:

1. Agricultura, pois sem conhecê-la o homem ainda estaria como os outros animais, procurando o próprio sustento;

2. Navegação, técnica fundamental para romper a limitação física do homem, diminuindo as fronteiras e espaços geográficos,

3. Indústria, um amplificador das habilidades humanas, o homem inventou os instrumentos e aprimorou as técnicas, para replicar seus avanços industrializou-se;

4. Comércio, as relações de troca são intrínsecas aos habitantes do mundo e por extensão ao homem, além das conhecidas experiências de sua subjetividade com o exterior, ele extrapola quando estende essa relação para seus pares, tornando vital o social.

5. Religião, a interface e a explicação do mundo, quando o homem cria dispositivos que permitem um intercâmbio do humano com o inumano, cria sua expectativa acerca da criação, assim surge à última grande manifestação humana.

Agradecendo estas cinco conquistas humanas, que permitem ao homem a confecção de outras formas, para manter sua elevação, venho capturar seus sentidos, desavisado leitor, sentidos que agora me tornam humano.

E eu em troca lhe ofereço o aprendizado e o deleite, pois, afinal sou um documento, ensino... Emito a lição, dou o aviso, sou a advertência, demonstro o modelo... A palavra convence, mas o exemplo arrasta, deixa indícios, envia o sinal, a indicação, a almejada prova que faz fé, afinal sim, tudo isso sou eu, incrédulo leitor.

Não me compreendes, em absoluto, dedicado leitor, sinto que o problema deixa de existir, para provar minha boa fé e que não sou mesquinho, tão pouco me preocupa este, libellus[1], saboreio essa jornada em que o venerável leitor mostrará o mundo e se ainda vale a pena narrar o começo, a trajetória e o fim mostrar-lhe-ei vivaz leitor, que venho de eras esquecidas, em que não se conhecia o tempo e pelo visto muito mudou de lá para cá.

— Como sei disso, inquiridor leitor?

Assim como me sentes como tu lês a mim eu leio a ti, astucioso leitor, e conforme conhece meu mundo revelo tua época assim completamos nossa simbiose. Para o heróico leitor, a possibilidade é infinita, pois não tem perspectiva temporal, tal qual a minha, definida, demarcada, delimitada por estas páginas.

Desde quando comecei a narrar meu desejo é prender tua atenção, pois antes da sua curiosidade, vagava eu pelo limbo e ao começar a comer de minhas migalhas, tu me dás a vida, honorável leitor, e o tempo passa de forma mais agradável, uma armadilha tanto para ti quanto para mim.

A dificuldade é de ambos para mim está em aguçar vossa curiosidade e permanência na narrativa, e o leitor tem que decifrar cada vez mais os esfíngicos mistérios, propostos, cultivados em sua imaginação, afinal como disse certa vez um grande poeta, se não nos esforçarmos não passamos todos de mero gado servil, deixemos e esqueçamos-nos deste nosso pacato pacto, perceba ardoroso leitor, que seguindo a tradição dos antigos desvendarei criaturas fantásticas que para surgirem tinham que ser reveladas; tais como: os gênios condescendentes de três pedidos, pois as montanhas estão prontas para parir um rato, ou melhor três ratinhos:

Sendo assim, concedo-lhe três livros, narrarei três singulares histórias:

· O Filho de Chonchón,

· O Homem da Perna Torta e

· O Triste Pio de Tué-tué.

Começaremos no fim do mundo e viajaremos até o seu começo, e como o mundo é redondo não posso lhe afirmar onde é o começo e onde é o fim, contudo proporcionar-lhe-ei uma grande e agradável jornada, por isso grande amigo e parceiro, ó abstrato leitor, e de agora em diante, amo, pois, tu leitor tens o poder de acabar com minha miserável existência, e a recíproca não é verdadeira, mas deixemos de lamentações, por isso a palavra quando solta por mim é uma lagarta, que ao atingir tu céptico leitor se transforma em borboleta fazendo-o sonhar.

— Não acredita, incrédulo leitor?

Pois acabei de expor o fato, não acompanhou o raciocínio, tudo bem, não se acanhe vamos novamente agora com outras palavras, veja o caso da palavra que usei a pouco: amo, ela deixou de ser um desejo humano, que deriva de um verbo intransitivo: amar – flexionado na primeira pessoa do singular e torna-se o descobridor, dominador e senhor, por isso, meticuloso leitor...

Analise seus desejos, pois a todo instante estará sendo observado dar-te-ei no início dessa jornada um sentido, uma bússola para orientar-se, assim não irás perder-se dividirei o mundo em dois, e o miraculoso leitor, penderá para uma parte então que seja pela procedência ou preferência, desditoso leitor, qual modo trabalha vossos desejos, para onde pende o prato de sua fome; começo o que melhor sei, que é contar, improvisar, e tu leitor fazes o seu melhor que é desvelar, fantasiar...

Oriente Desejo

Esta história foi contada por um sábio chinês, que possuía uma imensa e intensa admiração pela água, para ele a água era a substância mais perfeita da Natureza ele chamou-a de substância primordial e postulou que quando gelo a água tem uma forma estática como a de nosso corpo físico, sem ânimo, sem alma, quando em estado líquido seria como um corpo astral o equivalente de nossa alma, e por fim em estado gasoso seria nosso corpo espiritual, sem limites ou fronteiras preenchendo todos os espaços possíveis com velocidade máxima.

Ele percebeu que tudo que tinha vida precisava e comportava-se como a água, começou a comparar água a um esquema cósmico maior que explicaria o que estava em cima e o que estava em baixo pensando assim ele formulou a seguinte comparação entre o desejo humano e a água.

O desejo seria como água contida em um recipiente se aquele que deseja puxa para si com muita sofreguidão desperdiça o precioso líquido, se empurra com desdém continua a perder o líquido da vida, então qual a melhor forma para obter-se tão dadivosa substância? Deve-se através da persistência e paciência puxar calmamente o recipiente e assim com certeza aliviaremos toda a nossa a sede. (±12 a.C.)

Desejo Ocidente

Não entendeu a filosofia inerente da primeira dica confuso leitor, então seu desejo, foi explicado por um grande arqueiro, que em risco colocou a vida de seu bem mais precioso, seu filho, reza uma esquecida lenda, a de Guilherme Tell, o excelente arqueiro, que no reino em que ele morava havia uma disputa pelo poder e um tirano para provar sua supremacia, mandou em uma praça pendurar num poste um chapéu com as cores da sua bandeira e ordenou que todos que por lá passassem deveriam fazer uma vênia como prova de respeito. O chapéu era guardado por soldados que se certificariam que as ordens do governador fossem cumpridas.

Um dia, Guilherme e seu filho passaram pela praça e não saudaram o chapéu. Prenderam-no imediatamente e levaram-no à presença do governador que, reconhecendo-o, o fez, como castigo, disparar o arco a uma maçã, porém a maçã estaria na cabeça de seu amado filho. O pai muito pediu para que o tirano voltasse atrás do castigo, sem sucesso; e o governador ameaçou ainda matar ambos, caso não o fizesse.

Tell foi assim levado à praça, escoltado por soldados, a população amontoava-se na expectativa de assistir ao castigo (de lá para cá nada mudou). O filho de Guilherme foi atado a uma árvore, e a maçã foi colocada na sua cabeça. Contaram-se 50 passos. Tell carregou o arco, fez pontaria calmamente e disparou. A seta atravessou a maçã sem tocar no rapaz, o que levou a população a aplaudir os dotes do corajoso pai herói. Perguntaram ao arqueiro como ele conseguira executar tamanha façanha ao qual ele respondeu:

— Senhores quando empunhei o arco era: Eu, o arco e a flecha, quando retesei o arco e soltei a flecha era: Eu, a flecha e o caminho do meu alvo; E quando a flecha atingiu o alvo já não era mais a flecha e sim eu que o atingia e me transformava em alvo, assim explicou o grande arqueiro.

Ouça, veja, respire, sinta e saboreie agradável leitor, pois seu desejo é uma ordem, no caos da existência, o que está embaixo está em cima...



[1] Nota do Autor: Libellus vem do latim e significa ninharia, livrinho.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Prólogo

Entregue... O sentimento de impotência toma corpo, forma e substância, não preciso procurar pelo abismo, pois eis que a terra sob mim se abre.

Na minha frente o médico, o desdém, ele não crê, apenas redige, friamente... Retilineamente, última chance, a sentença é decretada, grita minha alma, agoniza em procura do êxtase que nunca chega... Perco-me a mesma frase ganha sentido:

— Hurt was my Blackbird. – encontra-se ferido, não há retorno, o desprezo, a indiferença, sem sentido viver... “A vigilância diária será um pequeno preço a pagar por minha paz de espírito...”

Antes sonhava, encontrava refúgio... Proteção... Abrigo... No espaço onírico... Na força telúrica; no momento, encontro o oceano desconhecido, o mar bravio das reações que minhas ações desencadearam, fustigam-me o rosto, arrancam-me o espírito.

Sem retorno, tudo que planejei...

Concretiza-se!

Agora neste quarto de hotel na beira de uma estrada sombria, com um revólver na mão, desejei, me entreguei... O espaço é preenchido por um trêmulo rabiscar, um incongruente escrever, num pedaço de papel qualquer, o tique-taque do relógio, é monótono, o ritmo de minha respiração, é inconstante e o pulsar de meu coração, é frenético...

Desvairado encontro-me, as palavras do sábio filósofo Ovídio são aclamadas: “Descanse, um campo que descansou oferece uma linda colheita”. Não enxergo, não cheiro, não ouço, não falo e não sinto, deixei de viver o presente, para lamentar o passado e angustiar-me com o futuro.

Sua visão se tornará clara somente quando você puder olhar dentro do seu coração, última profecia, profetiza o último profeta... Em vão busco algo para ater-me, lembro que em todo quarto de hotel existe uma bíblia no criado-mudo, procuro ensandecido por este bálsamo que pode quem sabe? Diminuir minhas feridas?

Encontro um livro com a capa rasgada pela metade onde lê-se “[...]BIRU: Caminho do céu” reflito aquele volume não estava por acaso na minha mão e, por isso, devia lê-lo afinal a diária do hotel já estava paga e uma história nova era o que precisava para esquecer da minha...

Comecei a lê-lo...

“A preocupação nunca tira a tristeza do amanhã, ela somente enfraquece a força do hoje”

A. J. Cronin[i]



[i] Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Archibald Joseph Cronin (Cardross, 19 de Julho de 1896Montreux, 6 de Janeiro de 1981) foi um escritor escocês. Era formado em Medicina. Escreveu romances idealistas de crítica social, traduzidos em vários idiomas, e alguns deles adptados ao cinema e à televisão, como The Citadel (1937) e The Minstrel Boy (1975)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Toca Raul


Pela Lei nº 6.607, de 7 de Dezembro de 1978, a Caesalpinia echinata foi declarado Árvore Nacional do Brasil, seu nome em tupi é ibira pitanga, ou "madeira vermelha", vinte anos é o tempo que dura para que essa árvore o nosso, pau-brasil, leva para atingir a maturidade...

Vinte anos é também a expectativa de vida da Panthera onca, a onça pintada nosso maior felino, predador, símbolo da agilidade e da força, e qual o motivo da importância dos vinte anos, bem lembremos que hoje faz vinte anos que um dos maiores expoentes musicais brasileiros faleceu, sim ele Raulzito e seus panteras, foi assim que surgiu o homem, no início de sua carreira um verdadeiro cometa, uma estrela cadente que nos proporcionou o que há de melhor no universo musical brasileiro.

Não podemos falar em cultura brasileira sem tocarmos no nome dele, sem pensarmos no condutor da charrete dos anos oitenta que segundo ele tinha se perdido, mas, só nos resta lembrar que ele é imortal, pois, tornou-se ele o mito, toda vez que em um bar um músico toca ao vivo ele sempre ouve:

— Toca Raul... Toca Raul... Toca Raul...

Dessa maneira, não podemos dizer que ele era simplesmente homem, pois Raul, nosso raio de Luar tornou-se mito e fez-se lenda em nossas mentes e tem lugar certo em nossos corações...

Pierre Augusto Rafael.

domingo, 16 de agosto de 2009

Gênesis

(6) Vis ejus integra est, si versa fuerit in Terram.

(7) Separabis terram ab igne, subtile a spisso, suaviter, cum magno ingenio.

(8) Ascendit a terra in cœlum, interumque descendit in terram et recipit vim superiorum et inferiorum.

(9) Sic habebis gloriam totius mundi.

(10) Ideo fugiet a te omnis obscuritas.

Alguns conseguiram escapar para Hanan Pacha[1], outros foram para Uku Pacha, e os que restaram ficaram sob os caprichos de Nguruvilú, que como não conhecia a beleza da criação começou apenas a fazer nossos irmãos sofrer e a esquecer que um dia tinham sido unos, começou paralisando alguns e os prendendo a terra, eles não poderiam mover-se por si e alimentar-se-iam de luz, feito isso transformou outros para que comessem esses primeiros e não satisfeita criou com o que restou seres mais abomináveis ainda, que se nutriam dos que se alimentavam de seus antigos irmãos estes últimos seres não tinham nenhuma piedade e eram extremamente cruéis.

Durante muitas eras nós os sobreviventes viajamos por Hanan Pacha sem destino, não sabíamos o que fazer em nossas andanças descobrimos diversos segredos, alguns de nossos poucos irmãos também se perderam ou resolveram compartilhar suas existências com outros seres dos confins do Hanan Pacha

Mas a fome insaciável do tempo que não revelou o início mordeu-se e revelou o fim, Viracocha percebeu que não tinha sido justo com Supay e suas criaturas, condenou Nguruvilú, assim como condenado tinha Supay, no lugar onde a raposa rastejante foi lançada, surgiu uma grande rocha próxima da prisão de Supay conhecida como Burringurrah, dessas montanhas pariu-se uma nova criatura, o homem. Viracocha usou suas medidas para o exterior, ou seja, o homem não teria formas desproporcionais como as antigas criaturas que já tinham antes caminhado, os seres que ficavam parados e comiam luz passaram a ser os maiores, e abaixo deles ficaram todas as outras criaturas, a mente foi dada ao homem para que ele julgasse e a imaginação seria onde os deuses apresentariam suas provas acerca do melhor se ficar com Viracocha, ou Ngurvilú. O homem tornou-se dessa forma o réu, o acusador e o juiz.

Para punir Pacha Mama, Viracocha transformou-a em uma serpente que envolveu todo o conhecido e quando encontrou o fim do infinito, essa criatura começou a devorar o que ela não sabia ser ela mesma, para ser justo Viracocha determinou que o homem e todas as outras criaturas que a partir dali, andassem sobre a terra, também sentiriam a maldição de Pacha Mama iriam sempre acabar em autofagia. Pacha Kamaq, o senhor dos vulcões refugiou-se com a raposa rastejante, Viracocha condenou-o a permanecer para sempre no interior ardente do planeta.

Dessa maneira, Supay passou a reinar ao lado de Viracocha e o Universo de novo equilibrou-se com luzes e trevas, Nguruvilú, a raposa rastejante não conformou-se e jurou acabar com os homens prometendo transformá-los todos como fez com as antigas criações de Supay, Viracocha permitiu a raposa rastejante, impor seus métodos enquanto Pacha Mama não findar o que iniciou e assim começa a vida da criatura usada para julgar, acusar e sofrer os castigos em nome dos deuses, esse ser és tu leitor, um ser divino com uma missão divina.

Nós que tínhamos escapados para Hanan Pacha não podíamos mais voltar, criamos uma rota para que o homem na terra pudesse se guiar toda vez, que a luz desaparecesse e a escuridão quisesse tudo retomar, assim surgiu o caminho das estrelas, conhecido por Via Láctea...


[1] Nota do autor: Hanan Pacha: Espaço.

domingo, 2 de agosto de 2009

PANGÉIA

(1) Verum sine mendacio, certum et verissimum:

(2) Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius.

(3) Et sict omnes res fuerunt ab Uno, mediatione unius, sic omnes res natæ fuerunt ab hac una re, adaptatione.

(4) Pater ejus est Sol, mater ejus Luna; portavit illud Ventus in ventre suo; nutrix ejus Terra est.

(5) Pater omnes Telesmi totius mundi est hic.

Para o aprendizado e deleite do caro leitor desvendar-lhe-ei o início da vida e para isso invocarei um sobrevivente dessa época que possui muitos nomes: anchimayén[1], anchimalén, auchimalgén, auchimalguén, anchimalguén, anchimalwén, anchimalhuén ou chimalguén, ele vem de um período que a ciência denomina por éon uma palavra grega que significa: era ou força vital, nessa época ainda não existia plantas, animais e muito menos o homem a terra e a água eram apenas dois, mas deixemos que anchimalén fale por si:

— Quando era escuridão e não havia tempo, eu e fantásticas criaturas habitávamos a água, Supay[2] reinava absoluto aqui em Kay Pacha[3] e assim foi durante muitas eras, Viracocha, senhor absoluto do universo assim permitiu, mas a inveja dos irmãos de Supay como o paciente grão de areia que sozinho é pequeno, mas que junto com outros, lentamente, cobre uma montanha bem maior e mais imponente do que ele mesmo, um dia o que era um tornou-se muitos e assim fez a pequena discórdia e a grande inveja com o reinado de Supay.

Em segredo reuniram-se em Huaca de La Luna: Nguruvilú, a raposa rastejante; Pacha Mama, a insaciável senhora do tempo e Pacha Kamaq, o senhor dos vulcões, para tomar Kay Pacha de Supay. Tantas intrigas e discórdias ali criaram que as vibrações atingiram Viracocha, aquele que tudo sente, e quando ele os convocou a mostrar o que os aborrecia, desenrolaram o que haviam tecido.

Viracocha, não podia acreditar a trama tudo revelava, em Kay Pacha o senhor absoluto não era Viracocha. Supay havia esquecido de revelar às criações o verdadeiro senhor, assim o erro do olvido, eles o usaram para derrubá-lo, afirmavam que Supay queria tomar o lugar de Viracocha e não satisfeito em ficar com as trevas, que era o seu domínio, fora além e dera as suas criações à luz que pertencia a Viracocha e Inti [4].

Viracocha ficou furioso e sem permitir julgamento condenou Supay a ficar preso no interior de Kay Pacha, ele reinaria onde sempre deveria em Uku Pacha[5], não veria mais a luz e todas as criaturas que caminhassem em Kay Pacha conheceriam o peso do tempo, através de Pacha Mama, e sua insaciedade voraz.

Não teriam mais a harmonia entre si, e todas as criaturas seriam dividas; Nguruvilú raposa rastejante, traiçoeira, discórdia, cuidou de impingir discórdia entre nós dividindo o que tinha sido um, em muitos, trazendo agora a diferença antes tudo era igual.

Alguns de meus irmãos ficaram nas profundezas das águas, escondendo-se o mais profundo possível para viverem como quando Supay reinava, antes da luz e do tempo. Outros foram transformados em habitantes das águas e os que antes eram irmãos começaram a maltratar-se, o espaço na água, pequeno ficou, e meus irmãos transportados para a terra foram.

Lá alguns foram enterrados e alimentados pela luz que Supay quisera dar-lhes, quando crescidos eles oferecidos foram, para outros irmãos que agora se alimentavam de si mesmos e perdiam o senso de harmonia, regrediam, a Raposa Rastejante, não conhecia limites para sua insatisfação com as criaturas de Supay, a geração seguinte revelou ter apetite ainda mais voraz, eram os comedores de irmãos, assim a insaciedade e a voracidade reinaram em absoluto, e as criaturas cada vez mais cresciam em tamanho e selvageria.

A partir de então apenas Viracocha, o senhor supremo reinava no Absoluto. Supay foi destronado e lançado para o interior da Kay Pacha no local de sua queda ergueu-se uma grande rocha vermelha conhecida como ULURU. A terra e o mar antes eram dois apenas e não se misturavam, com a queda de Supay, a terra se quebrou e as partes lentamente distanciavam entre si para misturar com o mar.



[1] Nota do autor: O anchimallén é descrito como um ser pequeno, que se transforma numa esfera que emite uma luminosidade radiante, como se fosse uma centelha.

[2] Nota do autor: Supay: Deus das trevas

[3] Nota do autor: Kay Pacha: Mundo terreno

[4] Nota do autor: Inti: Deus Sol.

[5] Nota do autor: Uku Pacha: Mundo dos Mortos.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A LENDA DE GILGAMESH

A Lenda de Gilgamesh

Revelar-te-ei, Gilgamesh,

Um triste mistério dos Deuses;

Como se reuniram um dia.

Para decidir submergir a terra de Shurupak.

Eya dos olhos claros, sem nada dizer a Anu, seu pai,

Nem ao Senhor, o grande Enlil.

Nem àquele que esparge a felicidade, Nemuru,

Nem mesmo ao príncipe do mundo subterrâneo, Enua.

Chamou para perto de si seu filho Ubaretut.

E disse-lhe: “Filho, constrói um barco com tuas mãos,

Toma contigo teus próximos,

E os quadrúpedes e as aves de tua escolha,

Pois os Deuses decidiram irrevogavelmente

Submergir a terra de Shurupak”.

Todos da cidade de Uruk, na antiga Mesopotâmia, do gregomesopotamía,as ou mesopotámios,a,on”; situado entre dois rios; país entre rios; a Mesopotâmia; conforme procedente do latim: Mesopotamìa,ae; Mesopotâmia, país situado entre o Eufrates e o Tigre; dois rios caudalosos que delimitavam a terra onde se encontrava o Paraíso Terrestre, e onde existia um jovem rei, de nome Gilgamesh, o povo do lugar admirava-o, mas, também o temiam, pois, em algumas ocasiões governava com soberba e arrogância, pois Gilgamesh, o rei de formas perfeitas, possuía três partes de deus e uma de humano - ditava por vezes leis e sentenças injustas, distantes da misericórdia e da compaixão exigidas a um governante para com seus súditos.

Tamanha foi a crueldade de Gilgamesh que os deuses escutaram as súplicas dos habitantes de Uruk e a suas sagradas moradas se retiraram para, em silêncio meditar, e os deuses refletiram e tramaram dia e noite... Até que, por fim, decidiram que Aruru, a deusa-mãe que tinha criado Gilgamesh, encontraria também o modo de aliviar os humanos.

Desse modo, Aruru trabalhou e, tal qual sábio e aplicado escultor, preparou a lama e modelou uma figura humana, sem desperdiçar momento algum, Aruru, a criativa, soprou argila e instantaneamente a figura humana ganhou vida e movimento, satisfeita com sua obra, retirou-se para descansar; mas antes impôs suas mãos divinas sobre a cabeça da criatura, daquele novo homem que tinha a sua frente e com voz firme, de trovão, lhe falou: "Te chamarás Enkidu... Serás um grande guerreiro e um herói de valor... e enfrentarás o jovem rei Gilgamesh para obrigá-lo a tratar o seu povo com respeito".

O tempo passa e certo dia um caçador junto às águas do lago, na clareira de um bosque, espreitando as gazelas que ali acudiam a beber, avistou Enkidu. Num primeiro instante, ao ver sua vestimenta o tomou por um pastor. Mas com o tempo, o caçador constatou que aquele forasteiro não se tratava de um simples pastor e que ele protegia os animais, tirava as armadilhas e impedia de caçá-los. Cada vez que o caçador se aproximava do lago encontrava suas margens ocupadas pelo rebanho do estranho pastor, de maneira que não podia abater qualquer presa.

Retornando a sua casa de mãos vazias seu pai lhe perguntou o porquê não tinha conseguido nenhuma caça, e ele lhe respondeu; que tinha sido impedido por um homem de aspecto robusto que pastoreava seus rebanhos no monte e que não se afastava do lago.

O pai do caçador pediu a seu filho que fosse até o palácio real e rogasse ajuda a Gilgamesh, para que este ficasse sabendo da presença de um forasteiro valente nas suas terras. O jovem caçador partiu para a cidade a única notícia que se escutou em toda a Uruk foi a presença de um forasteiro valente nas terras de Gilgamesh.

Gilgamesh trama um plano para debilitar e minar as forças de Enkidu, envia a ele a mais bela cortesã de seu reino e, depois de seis dias e sete noites de prazer junto a jovem cortesã, Enkidu abandonou os bosques e, guiado pela sua formosa companheira, transpassou a muralha da cidade de Uruk e desafiou Gilgamesh.

Os dois heróis lutaram na praça, na frente do povo, enrolaram-se pelo chão, destruindo na luta as grandes portas da cidade. As lascas saltavam pelos ares até que, após uma longa peleja, se fizeram amigos todo o povo celebrou o abraço de Enkidu e Gilgamesh... E houve comemorações e festas na cidade de Uruk.

Os amigos deixaram para trás os festejos e o regozijo do povo e saíram para cumprir uma perigosa missão, se dirigiram para o Bosque dos Cedros para matar o temível monstro Humbaba, uma espantosa criatura que cuspia fogo pela boca e tinha aterrorizado todos os habitantes da comarca.

Gilgamesh e Enkidu entraram sem temor no interior do bosque e chegaram até a obscura gruta do dragão. Então, lutaram com bravura e cortaram a cabeça da fera... E foram recepcionados pelos aldeões que rodeavam o bosque...

Muitas aventuras depois e os nossos heróis sentem saudades de suas terras e seus bosques, bem como, da cidade de Uruk, e decidem regressar para os seus. Durante a ausência deles o povo ouviu com entusiasmo sobre suas façanhas no retorno são recebidos como heróis.

Isthar, deusa do amor, deseja que Gilgamesh seja seu amante e que se case com ela, mas o valioso e bonito guerreiro a recusa. A despeitada deusa pede ajuda a seu pai, o deus Anu, dono e senhor de todos os mundos e lhe instiga para que envie o Touro do Céu contra a cidade de Uruk. Enkidu e Gilgamesh lutam com o Touro do Céu e o matam. Mas, os deuses se vingam e fazem com que Enkidu contraia uma grave enfermidade e morra. Gilgamesh verte lágrimas de dor diante do cadáver do seu amigo Enkidu e com grande pesar e desconsolo pela perda de seu querido companheiro abandona Uruk e empreende um longo caminho.

Depois de andar muito, léguas e léguas, Gilgamesh chega ao pé de altas montanhas, os cumes gêmeos voltam-se para o primeiro e para o último dos extremos do mundo: o nascente e o poente. Gilgamesh sobe até os altos picos e, uma vez lá em cima, olha o imenso céu e se pergunta pelo enigma da morte... Mas ninguém responde. Então, decide descer ao mundo das sombras e roga aos guardiões, às gigantescas e horríveis criaturas, metade escorpião metade homem, que abram as portas da montanha e lhe deixem passar. O valente Gilgamesh caminha sem descanso pelo interior dos infernos na mais completa obscuridade até chegar à morada dos deuses, ao jardim de luz. Aqui também não encontra a resposta ao enigma da morte, mas os deuses lhe anunciam que resolverá o mistério se cruzar até a outra margem do extenso oceano.

O barqueiro dos deuses conduz Gilgamesh pelos mares e oceanos do mundo até chegar às pestilentas águas da morte e após atravessá-las, o herói chega num lugar onde se encontra o único homem sobrevivente do dilúvio, quem lhe instrui a respeito da vida e da morte: "Não deveis temer a morte, pois, como o sonho, está dentro de nós e a todos alcança; mas, podeis conseguir a imortalidade ou a eterna juventude, se arrancares a planta espinhosa e florida, semelhante a um roseiral, que cresce entre o lodo das águas profundas que banham o mundo das sombras".

Assim fez Gilgamesh e de regresso à Uruk, levando consigo a preciosa planta florida da eterna juventude parou no caminho para beber água num manancial e refrescar todo seu corpo. Mas, de pronto, uma serpente cheirou o perfume que exalava da planta e a tragou; depois se arrastou até as cavidades das rochas e se enfiou num fundo e obscuro buraco que desembocava no reino das trevas.

Quando Gilgamesh saiu das águas e viu as sinuosas pegadas do réptil na areia compreendeu, no instante, que a serpente maligna tinha lhe roubado a planta florida da eterna juventude...

... E Gilgamesh chorou...