quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Professor Augusto Pombal



Na investigação científica, o pensamento não caminha ao acaso, mas adota normas convenientes a fim de poder atingir os seus objetivos. Usa métodos e processos adequados. Como método, devemos entender, de um modo geral, uma série de operações do espírito para que este atinja a verdade. [...] de que resultam dois métodos essenciais: o método indutivo e o método dedutivo.
O método indutivo observa os fatos particulares e partindo deles, chega aos princípios gerais e às leis que regulam. O método dedutivo é o método próprio das ciências abstratas – a partir das verdades gerais, chega por deduções lógicas a outras verdades, tão gerais como as primeiras.
...Livre-docente pela Universidade de Paris (Université de Paris), Sorbonne, conhecida por ser uma das mais antigas instituições de ensino superior de nosso ancestral continente, tenho a honra de apresentar aos novos alunos do curso de cartografia, o Doutor Augusto, nosso ilustríssimo colega que irá abrilhantar-nos com sua forma calorosa e polêmica de questionar o conhecimento dado por verdadeiro, contempla-nos com a Aula Magna, em nossa casa, a universidade de Coimbra, um dos berços intelectuais do Ocidente.
Ergue-se a figura simpática do professor Augusto um senhor de meia idade com o rosto carregado e um ar de assustado, vestido impecavelmente com seu fato completo, ele agradece...
Olho minhas fichas de anotações e inicio de forma cadenciada minha exposição: — Na Idade Moderna, os mapas-múndi já apresentam a forma geográfica da Terra, semelhante a que conhecemos na Idade Contemporânea, diferente do modelo ptolomaico da Antiguidade, dos Orbis Terrarum Tripartite ou mapas “T/O” da Idade Média, e das cartas-portulanos do Mar Mediterrâneo. Mas ainda representam as mirabilia pagãs oriundas da literatura de viagens, o miraculo cristão oriundo da Bíblia e das hagiografias medievais, e os monstros (monstra) oriundos dos physiologus antigos, dos bestiários medievais e dos relatos de naufrágio. Esse imaginário vai ser “(des)locado” de seu habitat original – os Extremos, Índia, China e Japão no Oriente, o Oriente árabe Próximo, e o Norte mouro da África – e vai influenciar a representação do negro no Sul da África e do índio na América (a Quarta Orbis Pars).
Pelo que vejo não consegui despertar o interesse, isso é ruim, pois na arte do discurso o início é fundamental e pelo que vejo chafurdei no meu prólogo: — O objectivo desta pequena apresentação é a análise do fenômeno da globalização do mundo no século XIV, XV e XVI, pela civilização portuguesa, a “ocidentalização” da América e o conhecimento preexistente das terras “não-descobertas” através de documentos recém-descobertos empreenderemos uma marcha rumo a esse vasto campo pouco explorado, para responder questões de grande magnitude e permanência tais como:
— As terras americanas já eram conhecidas?
— É possível afirmar que criou-se um mito acerca da figura apostólica de São Tomé para legitimar a expansão marina do império ocidental, financiado pela Igreja Católica e executado por Espanha e sobretudo Portugal. Além do misticismo envolvido, criado previamente por exploradores “náufragos” (voluntários, ou não) europeus em costas americanas, em que os índios chamaram de deus-branco-menor e que os ensinou técnicas agrícolas e sociais, além de profetizar a vinda de outros.
— Porque coube a Américo Vespúcio, dar seu nome as terras descobertas por Cristóvão Colombo? – tão bombásticas revelações não causaram nenhuma interjeição de surpresa talvez alguns bocejos e suspiros de protesto.
Comecemos pelo histórico mapa Universalis Cosmographia Secundum Ptholomei Traditionem e Et Americi Vespucci Aliorum Lustrationes, datado de 1507 por Martin Waldsemüller. Este mapa é vulgarmente designado por Mapa Mundo, o primeiro a apresentar, o nome América, e as “novas terras”; também é a primeira vez que há uma menção ao Oceano Pacífico e a ligação entre os oceanos.
— Quem foi Martin Waldseemüller? – Martin Waldseemüller provavelmente nasceu em Radolfszell junto ao lago Constância, na Alemanha, ano em que nasceu é desconhecido. No entanto, existem registros escritos que em 1522 já seria "defunctus".
Martin Waldseemüller estudou na Universidade de Friburgo e exerceu funções de sacerdote na diocese de Constância, mas é em Saint Die (Vosges) que como cónego inicia às suas obras cartográficas. É também em St. Die que Waldseemüller lecciona astronomia e geografia. Alguns dos trabalhos cartográficos realizados por Waldseemüller são o:
  • Universalis Cosmographia Secundum Ptholomei raditionem e Et Americi Vespucci Aliorum Lustrationes (mapa mundo, sem data) a,
  • Cosmographia Introductio (1507) a,
  • Carta Itineraria Europae (1516) e a,
  • Carta Marina (1516)
Em 1901 houve a redescoberta do mapa pelo historiador jesuíta Joseph Fisher, o mapa estava na biblioteca de um príncipe na Alemanha. Para apresentar o conteúdo do mapa e do globo, Waldseemüller escreveu o livro Cosmographia Introductio, e elaborou um globo, o mapa Universalis Cosmographia Secundum Ptholomei Traditionem e Et Americi Vespucci Aliorum Lustrationes (Mapa Mundo de acordo com a tradição de Ptolomeu e as viagens de Amerigo Vespucci), realizado em 12 blocos de madeira (com a projecção do mundo), situado em Estrasburgo, passa a impressão das cópias a ser feita em St. Die.
Pelos registros sabemos que um total de mil cópias foi produzido, sobrevivendo atualmente apenas um, considerado pelos estadunidenses como "America´s birth certificate", (Certificado do Nascimento da America), tendo sido comprado pela Library of Congress em Washington, D. C.
No livro Cosmographia Introductio, o autor alude ao navegador italiano Américo Vespúcio o descobrimento da "quarta parte" do mundo (quarta orbis pars).
— Quem foi Américo Vespúcio? – para quê ou para quem eu formulava aquela questão, percebia-se o desconforto e desinteresse geral que aquela minha explanação surtia, será que eu tinha assumido a forma do deus grego Morpheus, ou quem sabe através da minha voz o mundo poderia finalmente ter a cura para a insônia.
Minha palestra transformara-se em um solilóquio sentia-me como o símbolo do Uroboro em que uma serpente devora seu próprio corpo através da cauda, assim deveria parecer aquela minha exposição, mas tinha que continuar iria martelar até o último argumento: — Amerigo Vespucci (português Américo Vespúcio) nasce em Florença em 1454, falece em Sevilha em 1512. Vespúcio era filho de Nastagio, um notário, que nada mais é que o indivíduo responsável pela elaboração de documentos públicos; nosso atual tabelião.
Américo trabalhou no Banco Lorenzo and Giovanni di Pierfrancesco de'Medici, antes de Sevilha, onde o Banco detinha interesses representados por Giannotto Berardi, interesses que logicamente estavam ligados com a navegação, aparentemente conheceu Colombo do retorno de sua primeira viagem.
Consta uma primeira viagem pela coroa Espanhola comandada por Alonso Ojeda, entre Maio de 1499 e Junho de 1500, eles desembarcam perto da actual costa do Guiana e Américo deixa a companhia de Ojeda, começando a navegar para o Sul, descobrindo o rio Amazonas e chegando à provável latitude seis graus (Cabo Agostinho), ao retornar passa por Trindade e a foz do rio Orenoco, chegando ao Haiti.
Vespúcio após esta primeira viagem ainda estava convencido de que aportara no oriente da Ásia, e tenta assim convencer o Rei de Espanha a promover uma nova viagem, projeto este que acaba fracassando e assim Vespúcio vem para Portugal.
Nem a menção ao solo pátrio parecia causar interesse, também para a nova geração, o que interessava aquela história, aquele pseudo-passado glorioso que deixou-nos um presente marginal não apenas geográfico, mas socioeconômico e cultural, não parecia haver orgulho em ter ou ser português, um povo retratado como bruto, bronco e estúpido, esqueciam que tinha sido o Condado Portucalense no século XII o primeiro país da península a livrar-se do domínio mouro, um passado longínquo, rançoso, rancoroso e recalcado...
Em Portugal, Vespúcio parte de novo para a América. A 13 de Maio de 1501 sai daqui de Lisboa, em direcção a Cabo Verde, e parte para o Brasil começando a sua exploração na latitude seis graus até a foz do Rio da Prata, regressando a Lisboa a 22 de Julho de 1502. Nesta viagem Vespúcio fica convencido de que a costa navegada não é a asiática, mas sim um novo continente, pois este novo continente passaria a ser chamado pelo seu nome!
No novo mapa a designação do Oceano Atlântico é a de Occeanus Ocidentalis, apesar que o autor designa este mesmo Oceano junto à costa do Magrebe como sendo Athlanticum.
Quase não há conhecimento e representação da América do Norte somente a península da Flórida é representada como: "Terra Ulteri' Incognita", não existindo ligação da mesma com a América do Norte sendo a mesma representada como uma ilha, tal qual a conhecemos no mapa Cantino, afastada do continente, evidenciado o segredo dos portugueses em relação ao conhecimento da continente americano.
É de conhecimento geral que o português Fernão de Magalhães foi o primeiro a circunavegar o mundo no ano de 1519-1522, porém nesta época o Oceano Pacífico já era conhecido, podendo o mesmo ter sido descoberto (oficialmente) por Fernando Balboa em 1513, porém é o nome de Magalhães e não Balboa que denomina o Estreito onde o Atlântico encontra com o Pacífico. Uma questão se levanta como é que no mapa datado de 1507 por Waldseemüller conseguimos ter a Costa Ocidental da América do Sul se o Oceano Pacífico teria sido descoberto somente em 1513?
Também não deixa de ser curioso o facto de neste mesmo mapa não ser mencionado nenhuma passagem entre Atlântico Sul e o Pacífico. O nome dado ao Oceano Pacífico é a de Occeanus Orientalis, e menciona o Oceano Atlântico como Occeanus Ocidentalis, demonstrando que ambos eram interligados e conhecidos, além disso, o mapa revelava as montanhas andinas ao longo de todo o lado ocidental da América do Sul.
Por isso, senhores o mapa Cantino não desafia as regras do conhecimento aceite pelos historiadores e nem é obra de extraterrestres ou qualquer outro fundo místico, mas representa o conhecimento do continente americano pelo europeu ser bem posterior ao indicado como sendo no século XVI, além de apontar para a preponderância do domínio desse conhecimento por parte de Portugal, pois as informações dão relevo às futuras colônias portuguesas, bem como, a já explorada rota africana...
Fato este que não deixa de apontar o conhecimento e o ocultamento de tão grande segredo, o que não seria conseguido só com diplomacia, por isso o envio de reformadores religiosos católicos para o reino de Portugal, na procura de justificar os seus bens no continente Americano. Tudo isso evidencia claramente, o conhecimento do rei D. João II, da existência de terras a Oeste, a que mais tarde se vem juntar evidências de ocupação Portuguesa ainda hoje comprováveis.
"... primeiro um grande monte, muito alto e redondo, que, a pouco e pouco, se converte em terra chã junto da Costa. O capitão deu-lhe o nome: Monte Pascoal e Terra da Vera Cruz".
O trecho citado é um recorte da narrativa oficial da descoberta do Brasil descrita na carta de Pero Vaz de Caminha, no entanto, ao longo dos anos, indícios revelam que eventualmente a Terra da Vera Cruz já seria conhecida antes da chegada de Álvares Cabral.
Por exemplo, o mapa do Visconde Maiolo de 1504, designa o Nordeste Brasileiro como as terras de Gonçalo Coelho, tal como nos dias atuais, o conhecimento era essencial à vantagem competitiva das nações, sendo o caso da cartografia portuguesa, que durante o século XV e parte do século XVI, foi a mais rica fonte deste saber.
A cartografia (o seu conhecimento) era concentrada numa carta mestra designada por "padrão", este padrão era actualizado com as várias informações que os marinheiros iriam trazer após as sua viagens mundo afora. Não bastava actualizar as cartas, mas também delas retirar ilações e disseminar o conhecimento por outros navegadores, que em nome de el Rey de Portugal, navegaram por esses mares fora.
Pauso e finalizo neste momento meus colegas são os primeiros a aplaudirem, talvez estivessem com mais pressa de ouvir o término do que os alunos, mas quando escuto o entusiasmo dos alunos, vejo que eles estavam muito mais ansiosos, aquela ovação não era pelo arrebatamento causado por minhas palavras, e sim o júbilo da interrupção do desagradável efeito que o tinha causado meu discurso, sim aquela vibração toda era para despertarem da letargia daquela minha intensa e monótona preleção, vinte e oito anos de magistério, e nada mudara e nem iria mudar, porque como dizia um antigo professor meu de Clássicos: — Senhores, nada muda, e quando muda, é para pior! – realmente aquela sentença era a mais verdadeira que já tinha ouvido a levaria para além-túmulo (caso houvesse o além-túmulo).
Um jovem vestido como um integrante da Companhia de Jesus do século XVI, aproxima-se, não acredito os veteranos estavam ficando mais criativos e ousados cada ano que passava, realmente não podia negar, aquele calouro estava muito bem caracterizado, se eu não fizesse parte do trote com certeza estaria gargalhando daquela hilária situação. Ele pára e fica aguardando que acabe minha arrumação de minhas fichas, fecho minha pasta, fixo-o: — Sinto desapontar nossos amigos veteranos, mas não farei parte da diversão, estou muito cansado e tenho ainda muito trabalho para realizar, contudo parabenizo-os pelo excelente trabalho de produção que executaram.
— Doutor Augusto Pombal, é um enorme prazer conhecê-lo meu nome é Hafiz Miguel Passos, perdoe-me meu sotaque é que sou iraniano e o senhor como conhecedor profundo dos troncos lingüísticos sabe que nossa produção vocal é bem diversa da realizada pelos portugueses, apesar das inúmeras relações que nossas nações já teceram no passado.
Fascinante, os veteranos tinham ido além da minha imaginação, excelente, fico embasbacado quando um trabalho é bem elaborado e sem sombra de dúvida, estava diante de um maravilhoso enredo, algo que não encontraria nem nos mais intrincados mistérios que a sétima arte já tinha criado.
— Filho estou surpreendido seus amigos são surpreendentes, não me admira que encontram tempo e forças para realizar tão grande e perfeita empreitada e quantas reclamações para entregarem-me pífios trabalhos, mas é e sempre será assim, para a diversão e lamentação todas as forças são empenhadas, enquanto para a boa realização do trabalho não consegue-se o mesmo esforço.
— Desculpe-me doutor creio que há um engano não estou aqui para rir do senhor, mas para propor-lhe uma experiência, sinta e veja pelo senhor mesmo. – ele segura na mão um tubo daqueles utilizados para guarda mapas, abre-o e retira de dentro um antigo pergaminho e me entrega, percebo que não podia ser um simples trote tudo aquilo, o pergaminho não parece ser falso, o pego e tento ler, mas é necessário um equipamento adequado para manipulá-lo, sugiro então:
— Meu caro Hafiz, é este seu nome não é mesmo. – ele concorda com um gesto. — Vamos até meu escritório e o senhor explica-me melhor o teor dessa sua proposta. – ele novamente concorda e partimos em direção ao meu escritório.