sexta-feira, 21 de maio de 2010

Prólogo

[...] vendo-o então condenado, tomado de remorsos, foi devolver aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata,
4. dizendo-lhes: Pequei, entregando o sangue de um justo. Responderam-lhe: Que nos importa? Isto é lá contigo!
5. Ele jogou então no templo as moedas de prata, saiu e foi enforcar-se.
(Mateus 27:5)

Ausente, sem localização, sinal familiar, marco... Simplesmente vagando, perdido a impotência aumenta, ganha força, substância, forma e corpo. Preciso sair do abismo, ausência de chão...

O médico portentoso, altivo, desdenha, duvida, redige: friamente... Retilineamente... — Compreenda que esta é sua última chance... – voz mecânica, a sentença é decretada.

— O tratamento, será que segue? – indagação monótona, mastigada, o desprezo, indiferença, aqueles dizeres, sem sentido, quais eram mesmos... “A vigilância diária será um pequeno preço a pagar pela paz de espírito...” Sonho e encontro refúgio, proteção, abrigo, também enfrento o mar bravio, que me fustiga o rosto, arranca-me o espírito, aterroriza a alma...

— Esse aí só no choque doutor, não tem mais jeito não. – grunhe o enfermeiro: — Terapia intensiva, quanto mais força exerço, mais apertado o abraço, fugir é impossível.

— Vá por ali. – rosna-me o enfermeiro, sigo por um corredor, repetitivo, portas iguais, paramos percebo que já estivera ali, o corpo estremece involuntariamente, o doutor gentilmente diz:
— Vem por aqui... – a descarga faz-me lembrar que todo ritual inicia-se com o cântico negro, imploro, rezo e suplico, porém não há lugar para orações a tribulação começou e tudo que existe é muito choro e ranger de dentes.
Como escapei? Não recordo, por onde andei? Esqueci... Depois de muito vagar... Finalmente, a paz, um quarto de hotel, beira de estrada, revólver na mão. O espaço preenchido por um trêmulo rabiscar, incongruente escrever, meu testamento, um pedaço de papel qualquer, como testemunha o tique-taque, monótono, do despertador, a respiração inconstante, o pulsar do coração frenético...
Não enxergo, de repente, a revelação: A mensagem é clara, olhar o coração, última profecia, profetiza o último profeta... Em vão busco algo para ater-me, súbito ocorre-me a lembrança, sempre há uma bíblia no criado-mudo, procuro ensandecido por este bálsamo responsável por curar as chagas de um corpo puído, ou diminuir as feridas que carrego.

Vou até o criado mudo, sento na borda da cama, abro a gaveta e então encontro um livro, porém não é meu bálsamo ambicionado, não ao invés da bíblia, encontro um volume, cujo título é: “A LUZ E A ESCURIDÃO”.

O destino destila sua ironia, eu curioso em relação a um livro, justamente na hora da minha morte, será que estava tentando recuperar o tempo perdido, sempre fugi da escola, contudo, confesso, o título causou-me uma profunda estranheza: que luz será aquela, talvez o raiar da Aurora ou quem sabe a efêmera existência do Crepúsculo. Sendo assim, resolvi adiar a execução de minha sentença, peguei o livro e...

Comecei a lê-lo...

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